Atualmente, tema muito discutido
na mídia diz respeito à biografia não autorizada de uma pessoa. Artistas levantam vozes no sentido de que o
art. 20 do Código Civil veda a biografia não autorizada, possibilitando ao
biografado impedir ou retirar do mercado o escrito, sem prejuízo de uma
reparação. Outros defendem que a exigência da autorização põe em risco o
direito de expressão, assegurado constitucionalmente, e que uma lei inferior,
como o Código Civil, não pode contrariar a Constituição Federal, traduzindo-se em
ato de censura.
Essa
questão não pode ser resolvida abstratamente, mas depende da análise da
situação concreta. O Código Civil é lei inferior à Constituição Federal,
contudo incorreto afirmar que o art. 20 é inconstitucional. Se analisarmos a
redação desse artigo, não contém expressamente a proibição da biografia não
autorizada; ao revés, menciona apenas que “é possível” proibir a divulgação de
escritos e pleitear uma indenização, em caso de violação da honra, da boa fama,
respeitabilidade ou se destinarem a fins comerciais.
A ninguém é dado invadir os direitos
mais importantes de uma pessoa, como a honra, a imagem e a intimidade, ainda
que se trate de uma pessoa pública, sob o fundamento de que tais valores não
mais lhe pertencem, mas sim à sociedade, sendo possível ignorá-los. A liberdade
de expressão, assegurada na Constituição Federal, não é absoluta, encontrando nesses
direitos da personalidade seu limite de atuação.
Realmente
a Constituição Federal prevê a liberdade de expressão, independentemente de
censura ou licença, como um direito fundamental, mas, ao mesmo tempo, não
permite que a honra, a imagem e a privacidade, espécies de direitos
personalíssimos, igualmente reconhecidos como direitos fundamentais, sejam sacrificadas,
ao mencionar no art. 5º, X, que tais direitos são invioláveis.
A
biografia, mesmo não autorizada, não impede juridicamente a edição; entretanto
o biógrafo é responsável pela divulgação de fatos que importem em lesão a esses
direitos. É possível retirar do mercado a obra que destrua a imagem de uma
pessoa, que sirva só para apequená-la, trazendo a público, de forma impiedosa, fatos
de sua extrema privacidade.
Essa
proteção dos direitos da personalidade, englobados no direito à dignidade, não
é restrita às pessoas ditas “públicas”, mas deve ser estendida a qualquer
pessoa, e para além da sua morte, permitindo que os herdeiros exerçam o direito
de defesa. Foi o que ocorreu na ação de indenização por danos morais e
materiais que as filhas ajuizaram pela biografia não autorizada de Garrincha,
que de grande jogador do Brasil, foi transformado no livro em “farrapo humano”.
Assim,
o juiz, ao analisar o caso concreto, irá ponderar entre dois direitos
fundamentais em conflito: a liberdade de expressão do biógrafo e o direito à
intimidade do biografado. Em caso de colisão, deverá prevalecer o direito do
biografado, que se sobrepõe a qualquer outro direito.
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